sexta-feira, 4 de março de 2011

NÃO POR ACASO, QUELUZENSE

04/03/2011


O mundo corre com dias marcantes. Mas, no dia-a-dia, somos marcados por sentimentos, conflitos, relações com a família...

Num dia destes, dia comum, ouvindo Skank, banda mineira, de sucesso, eu que nasci na divisa entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, penso: Como a vida tem seus propósitos e tudo parece desenhado, escrito com objetivo certo, determinado.

Meu pai tinha orgulho da cidade onde nasceu, Varginha, Minas Gerais. Seguindo os propósitos da vida não cresceu lá, veio logo para a fronteira e acabou caindo mesmo no Estado de São Paulo.

Queluz é o nome da cidade de nascimento de minha mãe e de suas três filhas. Todas sempre sentiram orgulho em dizer de onde são. Costumamos dizer que quem bebe da água de lá, volta com certeza.

Comprovando a veracidade desse ditado, conheci uma senhora, minha vizinha na época em que eu era criança, que por força de buscar oportunidades para os seus 9 filhos, mudou-se para São José dos Campos. Sempre que podiam retornavam a Queluz, principalmente em dias de festa do padroeiro São João Batista. Festa tão tradicional, que um queluzense é capaz de chorar todas as noites, se, trabalhando ou morando fora, não conseguir partilhar desta data em Queluz.

Voltando a senhora. Com o tempo seus filhos trabalhando, as oportunidades de visitar Queluz foram se tornando raras. Sem contar a doença do esposo e o casamento dos filhos que de alguma maneira os afastava das raízes que ela tanto prezava.

Até que um dia, passados já 20 anos de sua ida para São José dos Campos, recebeu um convite para casamento de uma parenta em Engenheiro Passos, Rio de Janeiro, Divisa com Queluz.

Qual não foi a surpresa dos amigos quando correu o boato de que ela passara mal na viagem e o ônibus parara em Queluz para socorrê-la, onde ela, ao abrir os olhos por um instante, agradeceu a Deus pelo presente. Ali estava, em Queluz, sua terra amada. Descasou. Morreu ali mesmo, na terra natal. A família, em um último gesto de homenagem e carinho, decidiu ali mesmo sepultá-la.

Pode parecer triste esta história. Lembrei-me do fato os querer prestar uma homenagear minha cidade natal pelo seu aniversário em quatro de março.

Percebo que os lugares em nossas vidas são nossos à medida que enterramos ali nossos entes mais queridos, como diz o meu escritor predileto em “Cem anos de solidão”.

Em Queluz estão adormecidos meu irmão, minha mãe, meu pai, avós, tios, primos, amigos... Em Queluz também se firmam meus princípios mais valorosos, é onde estão guardadas minhas lembranças mais puras,

A lembrança dos campos de flores, das águas mais límpidas de corredeiras, os rios onde minha mãe por vezes lavava roupas, as fritadas de camarões de água doce na casa da D. Nica, a mina d água do sítio da D. Ana, os tempos de reuniões de jovens, quando íamos arrebanhando a cada um em casa na ida até a igreja. Posso lembrar como se fosse hoje.
Na volta da igreja, fazíamos continência a cada um que ia ficando em casa, em despedida. Até que eu minhas irmãs, as “três marias", como éramos carinhosamente chamadas pela comunidade, chegarmos em casa.

Nossa casa era a última. Já no pé da serra, próximo à Mantiqueira, com vista para os contornos do índio vuitir menino, há poucos quilômetros da linda Marambaia. Mais perto ainda da majestosa fazenda Bela Aurora, que até hoje exibe sua imponente entrada de ipês amarelos, porteira ladeada de flores, uma festa na primavera, que parece ficar o ano todo. Minha lembrança é essa... Sem invernos, sem o outono das folhas secas, só flores, como se a vida simples e despojada fosse uma eterna festa.

Vivíamos no paraíso. 500 metros da fazenda São José, que ainda abriga um relógio do sol. Fechando os olhos posso ouvir os acordes de algum ser ao piano de calda, que eu, por privilégio pude ensaiar alguns acordes nos meus tempos de aulas de música. PE. Adilerson nos enchia os olhos e aguçava nossos ouvidos com suas mãos precisas, numa peça bem executada.

Não posso deixar de falar do pôr-do-sol que nos cintila os olhos ao caminharmos para a Figueira, direção à Casa de Maria, no alto do Morro da Canção Nova. O Paraíba parece cingir-se de vermelho, semelhante à época da Revolução Constitucionalista, quando recebeu sangue dos valentes combatentes. A ponte sobre o Rio, que se desenha num lindo contorno e ergue-se com autoridade e imponência.

Uma das cidades históricas do Vale do Paraíba, pra mim, a mais bela. Já estive muito longe dela, por questões de trabalho. Agora, em Guaratinguetá, muito mais perto com o coração aliviado, em cidade de “Santos Antonios”, que já conquistaram lugar em minha vida, mas meu coração bate mais acentuadamente pela terra de São João. Hoje começa o fim de semana... E eu, feliz da vida, embarco para minha terra querida!

Crônica enviada por Maria Helena Ferreira, em homenagem aos 169 anos de Queluz.

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